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Caso Gol: setor aéreo é de alto risco e não recomendado aos investidores; entenda

O pedido de recuperação judicial da Gol (GOLL4) nos Estados Unidos torna evidente, mais uma vez, que o setor aéreo enfrenta graves crises de tempos em tempos e que, para o investidor, alocar recursos em ações de companhias aéreas é um investimento de alto risco.

No Brasil, isso ocorre desde os anos 1990, com a bancarrota de companhias outrora prósperas como Vasp e Varig – sendo esta última uma grande referência no setor no Brasil até os anos 2000.

“É um setor muito dificil e muito complicado, principalmente para o investidor em ações. Por isso, a gente não recomenda o setor aére no no Brasil e normalmente não recomendaria nem o investimento em companhias fora do país”, explica Luís Moran, Head da EQI Research.

Para ele, a recuperação judicial da Gol não chega a ser uma surpresa, ainda que tenha sido de modo diferente, sendo nos Estados Unidos, em vez de ocorrer no Brasil.

Moran explica que o setor, depois de passar por um período de consolidação, ficou concentrado em poucas empresas. Outra dificuldade é a exposção a fatores como taxa de juros, câmbio e preços dos combustíveis. Ele explica que a lotação da cada voo tem impacto relevante, pois, se ficar abaixo de um limite mínimo, a operação aérea se torna antieconômica.

“A demanda é exposta a operações muito voláteis, como o câmbio, que é algo muito importante, além do petróleo e do combustível de aviação. É muito complicado encontrar o equilíbrio para esse setor. Para os investidores em ações, é um setor de alto risco”, completa.

Os dados financeiros recentes mostram essa dificuldade.

A Gol (GOLL4) registrou prejuízo recorrente de R$ 286,7 milhões no terceiro trimestre do ano passado (3TRI23), reduzindo as perdas quando comparado com o mesmo período do ano passado, quando havia registrado prejuízo de R$ 596,2 milhões.

Por outro lado, a Azul (AZUL4) informou que obteve lucro operacional de R$ 957,4 milhões no 3TRI23, tendo uma alta de 137,1% frente ao mesmo período do ano passado, quando havia sido de R$ 403,8 milhões.

Setor aéreo: como é o pedido de recuperação pedido pela Gol (GOLL4)

O banco BTG Pactual (BPAC11) divulgou relatório explicando o processo em que entrou a empresa. De acordo com o banco de investimentos, o Chapter 11, mecanismo jurídico utilizado, é um processo legal ao qual as empresas recorrem para levantar capital e reestruturar suas finanças, mantendo as operações normalmente.

“A Gol entra no processo com um novo compromisso de financiamento de US$ 950 milhões para devedor em posse (DIP) dos detentores de títulos da Abra. Esse financiamento está sujeito à aprovação do tribunal e deve, juntamente com o fluxo de caixa operacional, fornecer liquidez para apoiar as operações durante o processo do Chapter 11”, detalhou o relatório do BTG.

Em nota divulgada ao mercado, a empresa aérea afirmou que usará o processo para reestruturar suas obrigações financeiras de curto prazo e fortalecer sua estrutura de capital. A empresa espera levantar capital adicional além dos US$ 950 milhões em financiamento DIP, semelhante ao que a Americanas (AMER3) usou recentemente para se capitalizar.

Gol x Latam

A Gol não é a única empresa nacional a lançar mão do Chapter 11. Sua concorrente direta, a Latam, também fez o mesmo, em 2020, no começo da pandemia da Covid-19, que impactou sobretudo o setor turístico, inclusive as companhias aéreas com o lockdown imposto para evitar a propagação da doença naquele ano.

As operações brasileiras da Latam foram posteriormente incorporadas ao pedido de Chapter 11. E com isso, a Latam conseguiu reduzir sua dívida bruta em cerca de 40% por meio do processo. No entanto, há diferenças com relação ao processo da Gol.

A Latam entrou com o pedido de Chapter 11 no meio da pandemia, quando as empresas estavam procurando reduzir a capacidade em meio ao colapso do tráfego. No caso da Gol, a empresa busca apoio financeiro para aumentar a capacidade em meio à demanda em recuperação e restrições de fornecimento de aeronaves. Atualmente, a empresa tem mais de 20 aeronaves ociosas que necessitam de manutenção, e a Gol está ativamente explorando alternativas de financiamento para atender a essas necessidades.

Segundo o BTG, a recuperação judicial da Gol confirma as especulações recentes na mídia e aponta algumas consequências que devem ocorrer: aumento da pressão sobre o governo para resolver reivindicações antigas do setor, como fornecer liquidez às empresas locais; incerteza quanto a cortes de capacidade por parte da Gol. O banco acredita que uma redução de capacidade de um dígito é um pressuposto razoável.

Por fim, outra consequência é uma diluição de capital, mas tudo dependerá de quanto a empresa pode conseguir com o empréstimo DIP.

Governo tenta aquecer movimentação do setor aéreo

Antes que a crise da Gol viesse à tona, o governo federal divulgou um programa para tentar aquecer a economia do setor aéreo. Trata-se do Voa Brasil, que irá oferecer passagens aéreas a R$ 200 e que irá beneficiar, em um primeiro momento, aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e bolsistas do Programa Universidade para Todos (Prouni).

Prometido desde o começo do ano passado, o programa finalmente tem data para ser lançado: está previsto para 5 de fevereiro, segundo informou o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Antes que a Gol pedisse recuperação nos EUA, ela a Latam e a Azul haviam se comprometido a destinar 6 milhões de bilhetes de passagens ao programa governamental.

Relembre as crises do setor

As crises e quebras de companhias no setor aéreo não são novidade. No começo dos anos 1960, uma das maiores comapnhias do setor por aqui era a Pan Am internacional, a maior companhia aérea do mundo então – e trouxe uma inovação na época: a utilização de computadores para arquivar reservas de hotéis e pedidos de passagens.

Além disso, a Pan Am também passou a utilizar a maior aeronave do mundo até então, o Boeing 747, começando a operar no Brasil no começo dos anos 1970. Porém, veio o primeiro choque do petróleo, em 1973, e a companhia passou a ter dificuldades crescentes para se manter. A partir de então, enfrentou uma longa agonia, vendendo participações em outras companhias nos anos 80 para o pagamento de dívidas. Com a Guerra do Golfo de 1990, a demanda voltou a cair de forma assustadora e a Pan Am internacional finalmente fechou as portas de forma definitiva em 1991.

Outra empresa que fechou foi a Pan Air do Brasil. A companhia operava no Brasil desde 1929, inicialmente com o nome Nybra, sendo comprada pela mesma Pan Am no ano seguinte, sendo rebatizada para Pan Air do Brasil.

Foi a maior companhia aérea nacional entre os anos 30 e 60, fazendo dezenas de voos nacionais e internacionais. Nos anos 40, a Pan Am deixou o controle e passou a ser uma empresa totalmente nacional. Porém, o governo federal, em 1965, alegou a existência de dívidas consideradas impagáveis e então interferiu na empresa, fechando suas portas. No entanto, a empresa teve sua falência extinta em 1995 e retornou à existência, mas não possui mais operações aéreas.

No Brasil, o caso mais emblemático talvez tenha sido o da Varig. Fundada em 1927, a empresa foi sinônimo de prestígio brasileiro no exterior e durante décadas foi referência em se tratando de aviação civil.

Porém, com a abertura do mercado de aviação no Brasil, no governo de Fernando Collor, em 1991, a empresa passou a enfrentar dificuldades para enfrentar a forte concorrência de empresas do exterior que passaram a operar por aqui.

Em 2005, com dívidas estimadas em R$ 7 bilhões, a então maior companhia aérea nacional e uma das maiores da América Latina, foi a primeira empresa brasileira a fazer uso da então recém criada lei da recuperação judicial, que substituiu a antiga lei de falências.

Um administrador judicial foi nomeado, sendo então o juiz Luiz Robeto Ayub, que atuava em uma das varas empresariais do Rio de Janeiro. A empresa foi dividida em duas: a “antiga Varig”, que passou a ficar com o passivo, e a “nova Varig”, que ficaria com os ativos da empresa e que seria leiloada.

Foram realizados dois leilões. O primeiro, no fim de 2005, com apenas uma única oferta por parte dos funcionários da Varig fracassou, porque o consórcio formado por eles, o NV, não conseguiu recursos a tempo de garantir a oferta para comprar a empresa.

Em 2006, um novo leilão foi realizado, e desta vez o grupo Volo – que já havia comprado anteriormente a ex-subsidiária VEM Varig Engenharia e Manutenção – arrematou a “parte boa” da empresa, por pouco mais de R$ 52 milhões.

Um ano depois, sem conseguir equacionar as operações, a Volo vendeu a Varig para a Gol, que absorveu a empresa, incluindo aeronaves e funcionários, além dos trechos nos quais a Varig operava. Nessa mesma época, a “parte ruim” da Varig, que ficou com os passivos, voltou a operar com o nome Flex, com apenas uma aeronave e fazendo voos fretados. Não ficou muito tempo no ar e deixou de operar de forma definitiva quando a “velha Varig” teve sua falência decretada em 2010.

Recentemente, a Avianca deixou de operar no Brasil afundada em dívidas. A última vez que a empresa voou foi em 2019, saindo do mercado nacional. A marca ainda opera no exterior. Houve ainda a tentativa da Itapemirim – empresa que atuava no setor de transpote rodoviário – de fazer uma incursão, mas também deixou de operar após curto tempo.

Ou seja, ao menos seis companhias do setor aéreo deixaram de operar no Brasil em um intervalo de apenas 20 anos. Esse alto índice mostra a volatilidade e dificuldade do setor.

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